NFT, mais uma inovação que o Brasil deixou passar

Carl Amorim, responsável pelo BRI Brasil.

Nas últimas semanas, o termo NFT (Non Fungible Token ou token não fungível), nome técnico para algo que não pode ser substituído por outro igual, tomou o noticiário quando uma obra de arte digital foi vendida por US$ 69 milhões, operação possibilitada por um NFT que garante sua autenticidade e singularidade. 

A nota de desânimo com o Brasil vem do espanto que esse tipo de notícia ainda causa nas cabeças pensantes e antenadas com o mercado, tanto pela ingenuidade de quem não viu a onda vindo, como pelo fato de não perceber que, em 2017, já flertávamos com o conceito de Cópia Digital Única, em projeto desenvolvido e realizado por empresas brasileiras na edição em português do livro “Blockchain Revolution”, de Don Tapscott.

Na época, como editores responsáveis pelo livro no Brasil, decidimos usar blockchain como pedra fundamental do projeto, explorando todas as possibilidades que a tecnologia permitia: levantamento de fundos, remuneração dos participantes do projeto e registro de propriedade das cópias vendidas.

O registro dos direitos autorais ficou para um segundo projeto, uma vez que são processos que dependem de terceiros e não havia sequer compreensão destes do que era blockchain e sua importância nos processos de propriedade intelectual. A natural falta de interesse dos modelos estabelecidos pela inovação também jogava contra, a ponto de não compensar o tempo e trabalho gasto naquela fase do projeto.

Então, em 2016, foi emitida uma quantidade inicial de tokens de um critpoativo chamado BPCoin, iniciais do selo Block Pub, sob o qual o “Blockchain Revolution” seria publicado. Desse total, uma parte foi vendida para arrecadar, entre amigos, os fundos necessários para o pagamento dos direitos autorais. O restante remuneraria os tradutores, diagramadores, revisores e editores pela tradução e criação do arquivo digital para impressão ou venda em nossa loja própria.

Em termos de inovação isso já era um grande passo, pois tornava-se o primeiro ICO (Oferta Inicial de Moeda) ou TGE (Evento Gerador de Token) do Brasil, além de ser um dos primeiros do mundo a distribuir receitas. No caso, parte das vendas do livro.

Livro com cópia física única

Mas, a grande novidade ficou para o lançamento do livro, onde elaboramos uma rotina de registro das cópias digitais vendidas no Ethereum pela Original.My e a incorporação do hash desse registro nas páginas do PDF do livro. O intuito não era combater a pirataria, mas desenvolver um modelo de negócios com vantagens a todos que possuíssem uma cópia autêntica. Nascia ali o conceito de Cópia Digital Única.

O projeto previa também a impressão de um QR Code na página inicial, com a hash do registro, mas foi abandonado pelo custo adicional a cada exemplar. A solução adotada foi a impressão de um lote de adesivos com as hashes dos registros e colagem nos primeiros 300 distribuídos no evento de lançamento, em São Paulo. O sucesso do teste também provou ser possível criar a Cópia Física Única com propriedade garantida por blockchain.

Durante todo o primeiro semestre de 2017, o Brasil registrou vendas do “Blockchain Revolution” e em agosto distribuiu parte das receitas para quem colaborou no crowdfunding dos direitos autorais e para as cerca de 50 pessoas que trabalharam no projeto. Foi um dos primeiros TGEs a fazer isso no mundo. 

Os números podem parecer pequenos se comparados com o mercado editorial ou um grande best seller, mas a disrupção de toda uma cadeia de produção editorial alcançada nesse projeto, da participação nos resultados, do investimento distribuído e da possibilidade da obra se tornar um instrumento de combate à piratraria e carregar um modelo de negócio embutido num registro criptografado,  não encontrou nada igual no mundo.

Ainda não entenderam NFT

Quatro anos depois desses eventos e agora se discute na Câmara Brasileira do Livro (CBL) o registro de obras em blockchain, porém sem qualquer finalidade, além da garantia dos direitos autorais. Apenas uma editora, além da BlockPub, adotou o sistema de produção distribuída, porém não distribui receitas por meio de criptoativos ou registra seus títulos e suas vendas no blockchain. 

É frustrante ver que ainda não há interesse pela inovação séria e disruptiva gerada dentro das fronteiras do país pela mídia. Mas a febre dos Cripto Kitties e a venda de uma obra de arte por meio dos NFTs conquistam espaços em todos os meios pela bizarrice, nunca pelo que pode pode fazer por artistas, editores, produtores, ou mesmo pesquisa acadêmica. Assim, deixa à própria sorte instituições e profissionais que dependem do consumo remunerado de arte, conteúdo e conhecimento científico.

A esperança reside naqueles capazes de ler as entrelinhas e, seguindo sua intuição, conseguem ir a fundo e incorporar as inovações. Tecnologia existe, capacidade de entrega e conexões com parceiros e organizações também. Só falta um pouco de coragem e visão.

*Carl Amorim é country manager do Blockchain Research Institute (BRI) Brasil, palestrante, instrutor e pesquisador de organizações distribuídas.

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6 comentários em “NFT, mais uma inovação que o Brasil deixou passar”

  1. Oi caro Anônimo com email falso,
    Tentei te responder pessoalmente mas seu email voltou, então vai ficar só o registro aqui.
    Duas observações sobre não ter nada de NFT no texto: primeiro, o próprio título deixa claro que vou falar de Brasil e Inovação usando a nova febrezinha do momento como exemplo, não entendi o motivo da sua indignação.
    Segundo, sim eu cito meu próprio caso e, se você ler o texto direito, vai entender que se refere ao fato de, em 2016 e 17, termos lançado as bases para a criação de um NFT editorial, com os conceitos de cópia digital única e até experimentando o conceito em cópias impressas, isso chama-se POC ou proof-of-concept, ou prova de conceito, onde provamos que o conceito é viavel e pode ser programado. O texto é claro mostrando que chegamos até a distribuir receita pelo token e só não fala (por não ter relação com o artigo) que os tokens eram negociados livremente e que, de 50 portadores iniciais, estamos falando de mais 180 agora.
    Levamos essa POC para diversas organizações que, como em qualquer caso de inovação no Brasil, limitaram-se a perguntar em que parte do mundo aquilo estava sendo feito e quais casos de sucesso poderíamos apresentar para validar o investimento. Ante à não existência de nada similar no mundo civilizado, a Botocudolândia decidiu não correr o risco e perdeu o bonde da inovação do NFT, pois poderiamos ter experimentado com livros, músicas, audiovisuais e tantas outras coisas.
    Disse e repito, inovação no Brasil é piada, ninguém consegue ou não quer reconhecer uma ideia ou um conceito inovador neste país. Não sei se é para não dar o crédito a quem merece, não sei é uma eterna cultura de copiar a metrópole da Europa ou dos EUA. Goste ou não, em blockchain também é isso. Espero, assim, ter respondido seu comentário sobre não “ter nada” sobre NFTs no texto.

    Quanto a escrever sobre o que eu fiz, bom, pelo menos é um assunto que eu domino, com casos reais, facilmente comprováveis e constetáveis, se for o caso. Escrevo sobre meu trabalho dando minha cara a tapa, abrindo-o à contestação e sou sempre receptivo ao contraditório civilizado e respeitoso, não me escondo atrás de um pseudônimo e reconheço, como fiz citando a Original.My, a contribuição de quem participou comigo do projeto.
    Seria bem bom se todos pudessem dizer a mesma coisa e tentassem travar um diálogo construtivo, com mais de uma frase e sem argumentos ad hominen.
    Abraços e boa sorte.

    1. Rodrigo Policarpo

      Muito legal o texto. Parabéns pelo conteúdo. Eu fiz a tokenização (NFT) de um livro que escrevi chamado “O melhor livro do ano (de acordo com crítico subornado pelo autor)”. Até onde tenho conhecimento, acredito que eu tenha sido o primeiro autor brasileiro a ter tokenizado (NFT) um livro.

  2. Reinaldo Pamponet Filho

    Carl, obrigado por trazer esses pontos tão relevantes para uma mudança necessária de mind-set e postura. Bom ver você trazendo sempre oxigênio novo para a discussão.

  3. Pingback: The DAO Station | EmergingCrypto.io

  4. Carl Amorim, admiro a tua lucidez e seriedade com que tratas estes assuntos.
    Sim, infelizmente o Brasil é um país de vira latas. É mais fácil copiar do que criar. Mas vou um pouco mais à frente. O Brasil tem muitos talentos, porém, os estágios de corrupção são tão altos que dependendo do projeto ele já é morto na sua fase inicial.
    Leandro Antonio

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