O ganho natural das moedas digitais de bancos centrais (CBDCs), como o real digital, está na política monetária, podendo até melhorar essa política. Isso porque permitem, por exemplo, pagar juros sobre elas e ter moedas estáveis (stablecoins) lastreadas em CBDC. “A conclusão até agora é a de que dinheiro público e privado podem coexistir. Esperamos (haver) os dois. Ter só a moeda fiat (fiduciária) ou só a CBDC vai deixar brechas”.
A afirmação é do professor Robert Townsend, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). E foi dada no primeiro webinar do Banco Central do Brasil (BC) sobre o real digital, que aconteceu nesta quinta-feira (29). Townsend, que está envolvido com o projeto do dólar digital e conversa com frequência como o BC sobre CBDC, também disse que não é necessário ter CBDC para se implementar contratos inteligentes, por exemplo.
Sua afirmação chamou a atenção do diretor de diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, João Manoel Pinho de Mello, que mediou o evento.
“Quero garantir que temos essa distinção em mente. Poderíamos ter contratos em outras plataformas e construir sobre a CBDC uma plataforma fornecida pelo BC, mas isso não é necessariamente o caso. É por isso que a política monetária é o domínio natural da CBDC?”, perguntou a Townsend, que confirmou seu ponto. Aliás, o professor citou essa separação de contratos inteligentes e CBDCs mais de uma vez no webinar.
“Debate sobre real digital será longo”
Townsend chamou a atenção para o fato de tecnologias de registro distribuído (DLT) terem limitações de escala para uso com moedas digitais. Para tanto, seriam necessários ajustes nos códigos. E disse que uma opção seria uma plataforma aberta fornecida pelo BC com uma construção, sobre ela, feita setor privado. O papel do setor público, além de emitir a moeda, é definir regras, garantir a competição e prover infraestrutura para as finanças descentralizadas, completou.
O diretor do BC disse que o debate sobre o real digital tem um longo caminho pela frente. “Não tem modelo definido e precisa de coordenação internacional com eficiência e convivência melhor dos pagamentos transfronteiriços de hoje”, afirmou.
De acordo com ele, na questão dos riscos, é preciso reconhecer que há de se tomar cuidado nos desenhos e tecnologias para não desrespeitar a LGPD”. Além de se evitar corrida bancária ataques cibernéticos e substituição pela moeda de um país pelo outro. “Haverá no longo prazo uma migração significativa do papel moeda para o digital”, completou. Isso vai passar pela CBDC e pode ter aceleração pela pandemia. Mas, o projeto do real digital tem de ser gradual. “As soluções no sistema financeira nunca são simples.
Em relação à segurança das CBDCs, o diretor do BC afirmou que vê como positivo o fato de que a maioria dos brasileiros confiam em seus bancos para compartilhar dados no open banking. Afinal, o open banking é a fase anterior à do real digital. A Tecban e o Ipsos divulgaram nesta semana uma pesquisa sobre o assunto. De cada 10 pessoas bancarizadas, 7 confiam em seus bancos para compartilharem seus dados.
Ideal seria testar moeda em ações como Bolsa Família
De acordo com Eduardo Diniz, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é preciso considerar que a lógica da estrutura atual que garante a confiança no sistema monetário continuará a mesmo com o real digital.
Assim, isso significa uma camada de articulação e governança (regras), validação (hoje é da Casa da Moeda e com a CBDC, será o código) e o terceiro é o da infraestrutura de “produção” da moeda.
Diniz sugeriu dois testes iniciais para o real digital: o primeiro deles é usar numa distribuição em massa e digital de recursos, como a do Bolsa Família. E outro em algum processo que tenha deficiências no que se refere a controle e transparência, ou seja, no combate a corrução. Isso, afirmou, pode ajudar na adoção em massa do real digital.
O diretor geral da R3 no Brasil, Keiji Sakai, adicionou que um terceiro teste poderia ser a tokenização. Lembrou que há projetos nesse sentido no LiftLab da Fenasbac e Banco Central. A tokenização pode contribuir para mais rapidez e redução de custo na liquidação de contratos.
Sakai tem defendido DLTs para esse fim porque permitem o chamado delivery x payment. Isso quer dizer que evitam, por exemplo, registrar uma transação no cartório só após o pagamento. No meio do caminho entre o pagamento e o cartório, uma das partes está correndo risco. E é por isso que surgem intermediários, o que eleva os custos e o tempo das operações. Instituições financeiras estão testando DLTs para isso no exterior.