A estratégia do Banco Central (BC) para regulamentação das prestadoras de serviços de ativos digitais (Vasps, na sigla em inglês) deverá incluir duas consultas públicas e duas resoluções. Por conta da complexidade do setor e do que é possível fazer com a tecnologia blockchain, será a primeira vez que o regulador faz consulta dupla sobre o mesmo tema. Sobre as resoluções, uma tratará dos negócios, questões operacionais, governança, relacionamento com investidores, capital prudencial e mínimo, por exemplo. A segunda é sobre autorização das Vasps.
Antonio Guimarães, consultor do departamento de Regulação do Sistema Financeiro do BC, apresentou a estratégia durante o seminário “O processo administrativo sancionador no âmbito do CRSFN e do CRSNSP”, do Ministério da Fazenda, na última quinta-feira (9). “Já temos, de certa forma, consolidado, que as Vasps comporão o universo do segmento intermediação, que hoje pertence às corretoras e distribuidoras de títulos mobiliários”. Mas, “logicamente” guardadas suas peculiaridades.
Segundo ele, a primeira consulta pública deve sair neste mês, como havia dito Fabio Araujo, coordenador do projeto do Drex, em evento recente do Blocknews e da Cantarino Brasileiro sobre as perspectivas para ativos digitais em 2024.
O objetivo dela será coletar informações sobre pontos como “melhores abordagens de governança para tentar mitigar os riscos e avaliar até onde poderíamos permitir que a tecnologia descentralizada seja maximizada na sua eficiência sem gerar riscos. A segunda será no primeiro semestre de 2024 com as minutas das resoluções. Na segunda consulta, o BC vai disponibilizar as minutas que tratarão das Vasps e que serão resultado também das consultas.
A regulação será “technology free“, disse Guimarães. “Nós não regulamos a tecnologia, mas há peculiaridades tão intrínsecas nesse patamar tecnológico , inclusive sendo analisadas em paralelo à tokenização de ativos, que se faz necessário uma coleta de informação e aprofundamento antes de determinar os padrões regulatórios”.
Guimarães reforçou que para fazer a regulação brasileira, o BC olha para as recomendações dos órgãos internacionais dos quais o Brasil faz parte e outras. Em especial a da União Europeia, a MiCA, e a do Japão, que foi o precursor na regulação de empresas de ativos digitais. Assim, o país asiático tem uma “experiência muito rica” em questões como liquidação de exchanges. Foi lá que surgiu a Mt. Gox, que no início de 2014, quando faliu, era a maior plataforma de negociação de bitcoin do mundo.
Para os ativos digitais, haverá as regras específicas para o setor e outras que são de referência e que poderão ter alguma adaptação para os ativos digitais. Entre elas, por exemplo, as de combate ao financiamento ao terrorismo e as de segurança cibernética e contratação de serviços de terceiros. Para esse último ponto uma questão é preciso abordar questões específicas do setor como custódia de criptoativos.
De acordo com Guimarães, a expectativa é a de que haja forte participação de diferentes segmentos da sociedade nas consultas públicas, como acadêmicos, o de investimentos e advogados, além das empresas do setor.
Parte do processo de regulamentação do setor prevê uma Análise de Impacto Regulatório (AIR), como determina a lei de liberdade econômica. A regulação vem da percepção de falhas do mercado de ativos digitais, como adequação da oferta de produtos pelas empresas a investidores, pirâmides e quebras como as das exchanges Mt. Gox e FTX e a da Terra Luna.
Para Paulo Portuguez, sócio do Jantalia Advogados e especializado em Criptoativos, faz sentido uma resolução que trata em detalhes apenas da permissão das Vasps, porque esse processo é muito burocrático.
O começo da regulamentação do ecossistema cripto no Brasil deve começar com o que é relacionado ao funcionamento das Vasps e depois avançar para outros temas, como stablecoins. Araujo disse no evento do Blocknews e da Cantarino Brasileiro que esse ponto está ligado a decisões de funcionamento da plataforma Drex e conexão dela com outras plataformas criptos.
Enquanto não sair sair a regulamentação, plataformas de criptos não precisam de autorização do BC para operar no país, como reforçou o regulador na semana passada.
*Reportagem atualizada em 13/11/2023, à 1h40, com detalhes da estratégia do BC.