Antes avessos às criptomoedas, bancos do mundo todo, inclusive no Brasil, estão entrando ou avaliando atuar com moedas digitais, em especial com criptoativos que representam ativos como títulos de dívida e ações. Embora as instituições financeiras têm a tendência de tratar projetos nessa área como uma ação clássica de mudança e tentam calcular retornos e benefícios, a implementação precisa ter um foco grande na orquestração de diversas áreas, com as de negócios e tecnologia sendo cruciais na definição dos casos de uso viáveis. Isso porque o segmento ainda é muito novo e muda com frequência, afirma a Capco, consultoria global de gestão e tecnologia financeira que integra o Grupo Wipro, num estudo que acaba de lançar.
Em “Desmistificando a Adoção da Implementação de Cripto e de Ativos Digitais e os Riscos para os Bancos”, especialistas da Capco indicam quatro caminhos para os bancos superarem desafios emprojetos com criptoativos. “Olhando à frente, vislumbramos uma clara oportunidade para os bancos regulados assumirem a propriedade e a liderança neste espaço, alavancando suas cadeias de valor, escala, atividades regulamentadas, status de confiáveis e governança forte”, afirma Alexandre Bueno, gerente sênior da Capco e head do Capco Digital Lab São Paulo.
Para Bueno, “esse mercado está crescendo rapidamente e inovando continuamente, mas os projetos de criptomoedas e ativos digitais de instituições financeiras tradicionais só irão decolar quando se estabelecer uma compreensão profunda dos riscos inerentes a esses produtos”.
Os bancos tradicionais precisarão alavancar seus portfolios de criptoativos com base em uma sólida gestão de riscos e serviços personalizados para sanar as necessidades do cliente. Mas, ao mesmo tempo, mantendo o foco em seu roteiro estratégico. “O crescente ecossistema fintech B2B é a principal porta de entrada para facilitar as ambições do setor bancário de aproveitar as oportunidades de criptomoedas e ativos digitais”, completa o executivo da Capco.
De acordo com Bueno, os participantes do ecossistema estão bem-posicionados para apoiar os bancos nessa transformação e na implementação de soluções para que conquistem uma fatia significativa do mercado. Por outro lado, os bancos precisam ficar atentos ao fato de que a entrada em vigor de regulações como a Lei 14.478/22, que o Congresso brasileiro aprovou no final do ano passado e que entra em vigor em 20 de junho próximo, devem aumentar a concorrência no segmento. A lei trata da regulação das empresas fornecedoras de serviços ligados a criptoativos. Já as regras detalhadas devem começar a ser divulgadas nos próximos meses.
Os principais desafios para os bancos para implantação de ativos digitais e os caminhos para superá-los, segundo a Capco, são:
1) Roadmap para projetos de novos negócios
A implantação de projetos de criptoativos deve acontecer dentro de uma complexidade multifacetada, com uma estratégia de roteiro que possa ser aplicada em casos de usos viáveis, diz a consultoria. Isso porque esse ainda é um setor relativamente imaturo e em constante mudança, que pode não trazer resultados imediatos e óbvios para as instituições financeiras.
Após a quebra da FTX, a preocupação de garantir a confiança dos usuários passou a ser primordial, juntamente com investimento em governança e transparência nas atividades. Em projetos do tipo na Suíça e Liechtenstein, por exemplo, bancos regionais foram ativos nas fases iniciais de implantação de criptoativos nos últimos dois anos, com uma aceleração acentuada no final de 2021 e início 2022 e, mais tarde, recalibração frente ao inverno cripto.
Nesta fase, as instituições oferecem produtos e serviços com exposições e pontos de entrada limitados, como criptoativos regulamentadas, dentre eles fundos como ETPs e contratos futuros e de opções. Essa abordagem ajuda a promover a tração interna e do cliente, permitindo que o banco construa experiência e um histórico com essas novas ofertas.
2) Tecnologia de plataforma de ativos e boa infraestrutura
Com a proliferação acelerada de plataformas de criptomoedas e de ativos digitais, ao lado da explosão de moedas disponíveis, cerca de 10 exchanges centralizadas (CEXs) dominam o mercado. Essas plataformas exigem que os usuários depositem criptomoedas em uma conta para poderem negociar os ativos e oferecem meios aos clientes para converter seus ativos digitais em moeda fiduciária. Também fornecem negociação, custódia e facilidades para outros criptoativos como stablecoins e NFTs.
Mas, ainda existem CEXs que operam sem supervisão regulatória e a maioria é estabelecida em jurisdições que impõem regulamentações mínimas, afirma a Capco. A tecnologia de registro distribuído (DLT)/blockchain usada para os criptoativos fornece suporte para várias aplicações bancárias em finanças tradicionais e digitais. Os bancos devem avaliar qual delas é mais adequada para seus objetivos estratégicos.
3) Projeto de Modelo Operacional, Interoperabilidade e Regulação
De acordo com a Capco, modelos operacionais bancários tradicionais enfrentam processos técnicos e deficiências funcionais ao integrarem criptoativos. Isso se deve a problemas de interoperabilidade com blockchain, porque não são adaptados para executar dados dessas moedas digitais. Por isso, camadas de integração são necessárias.
Além disso, a integração do cliente de cripto é complicada, porque os processos e ferramentas de conformidade tradicionais são insuficientes para avaliar e controlar os riscos relacionados. Muitas vezes, são necessárias análises forenses para determinar a propriedade de criptos para rastrear e prevenir transações arriscadas, incluindo lavagem de dinheiro, violação de sanções e financiamento de terrorismo.
A estrutura regulatória está sendo construída aos poucos no mundo. A lei brasileira 14.478/22 é um exemplo, assim como a que a Suíça implementou em 2021 para colocar proteções e promover a inovação em blockchain e criptoativos.
4) Opções de Custódia Confiáveis e Gerenciamento de Chaves
A custódia de ativos digitais é única devido às chamadas chaves privadas, tipos de senhas que o dono dos ativos ou os custodiantes usam para acessá-los. Esse ecossistema inclui empresas cripto nativas e fintechs que, em geral, fornecem tecnologia e soluções de infraestrutura para instituições que desejam fornecer e/ou administrar seus próprios serviços de custódia.
Assim como acontece com os ativos tradicionais, a custódia de ativos digitais é necessária para garantir que possam ser armazenados e negociados de maneira segura e confiável. Os custodiantes de cripto qualificados geralmente oferecem uma solução inicial que se conecta diretamente a contas de carteira omnibus (coletivas) e/ou segregadas, onde os bens são salvaguardados.