Uma bem sucedida parceria entre empresas e governos e ações do ecossistema para evitar a atuação de golpistas, logo no início do mundo cripto, foram alguns dos fatores que tornaram a Suíça um dos principais centros das finanças tradicionais do mundo, também em um dos principals hubs de negócios ligados a criptoativos e blockchain.
Essa é uma das mudanças no mundo dos negócios causadas pelo whitepaper de Satoshi Nakamoto sobre a bitcoin, divulgado há 12 anos. E quem conta essa história ao Blocknews é Toni Caradonna, membro fundador da Federação Suíça de Blockchain (SBF em inglês), por meio da Fundação Porini, ONG que usa tecnologia em projetos de impacto social, e que lidera o grupo de trabalho de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU na federação.
Esta entrevista é parte de uma série que o Blocknews publicará em celebração à divulgação do whitepaper, em 31 de outubro de 2008.
BN: Quais foram os maiores fatores que levaram a Suíça a se tornar um dos maiores promotores de blockchain e criptoativos?
TC: Na minha percepção, foi um exemplo perfeito de uma parceria público-privada. Houve uma adoção empreendedora muito cedo em meio a uma incerteza jurídica. Então, os stakeholders se juntaram a tomadores de decisão do governo, que viam o potencial que a tecnologia oferece. Pessoalmente, também acho que o fato de a Fundação Ethereum estar em Zug e ter tido a consultoria de um time de advogados muito competente e com excelente reputação, acelerou a credibilidade do setor. Além disso, acho que o aspecto autoregulatório dos stakeholders que queriam uma separação clara entre os atores complacentes e os golpistas, foi um grande motivador para a adoção.
BN: Esse movimento significa que a Suíça acredita que o setor financeiro tradicional será substituído, no futuro, pelos criptoativos?
TC: Não acredito que vivemos num mundo binário, nem em relação à sociedade e nem em relação aos negócios. Porém, eu realmente acredito que muitos participantes do setor vejam um potential massivo, o potencial de disrupção. A Suíça não tem recursos naturais e é altamente dependente de inovação. Por isso é que existe um grande interesse e apoio dos tomares de decisão em todos os níveis.
BN: Tem havido várias ações para promover os criptoativos, como a criação do Cryto Valley em Zug e o uso de criptomoedas para pagamento de impostos. Há também um movimento para promover o uso de blockchian em empresas e no governo?
TC: Eu vejo isso como um desafio de percepção. A Suíça é uma federação, portanto há vários níveis de governo, com muita independência e que podem atuar e comunicar de forma rápida e efetiva. O apoio a tecnologias usadas pelas empresas, em geral, acontece nas diretorias daquelas de grande porte, que precisam prestar contas a reguladores e comitês de padronização. Isso leva tampo e o foco é no negócio e não no marketing, em especial quando se pensa na indústria de infraestrutura. A maior provedora de energia do país, a Axpo, por exemplo, trabalha há dois anos numa missão federal crítica em blockchain, com seu braço Axpo WZ Systems e a solução SwissDLT (rede suíça criada pela rede BCTS, da qual a Axpo faz parte), sem soltar comunicados. Por isso, acho que as empresas vão adotar a solução sem fazer grande barulho.
BN: Qual tem sido o maior apoio que os governos locais e o federal tem dado para promover criptoativos e blockchain?
TC: Claramente, o esclarecimento feito pelas autoridades do mercado financeiro, logo no início, foi extremamente útil. Além disso, a rápida e drástica intervenção sobre os golpistas e atores de má fé ajudou a evitar danos de reputação. O fato também de que o conselho federal oficialmente disse que a Suíça deveria ser uma Nação Cripto foi importante, apesar de muito debatida dentro da comunidade. E por último, mas não menos importante, as duas câmaras do parlamento aceitaram a nova lei que entra em vigor em agosto de 2021 (trata-se de um conjunto de emendas a leis financeiras e corporativas) . O conselho federal explicitamente convida a indústria a comentar os detalhes dessa implementação (há uma consulta publica que acaba de começar e segue até 2 de fevereiro). Basicamente, o Blockchain Act pretende dar mais segurança jurídica e fazer com que haja menos obstáculos para as aplicações blockchain, além de buscar minimizar abusos. Em outras palavras, pretende levar as criptomoedas e a tecnologia blockchain para uso o convencional. A lei cobre o comércio de ativos digitais e estabelece padrões para as bolsas de criptos.
BN: Qual é a importância de Zug nesse contexto?
TC: Zug é o lar da Fundação Ethereum e um hub para muitas companhias globais por vários motivos (inclusive brasileiras, como a Sppyns, e uma delas são os impostos. Mas as autoridades de Zug aceitaram muito cedo os pagamentos em bitcoin, o que, se você pensar sobre isso, foi uma ação muito radical. E havia ainda uma associação do setor desde o início, bem sucedida e influente, que promoveu o Blockchain Valley, o que foi um investimento efetivo e uma ferramenta de marca e marketing que possibilitou uma série de ações em todo o mundo.
BN: Como você descreveria o estágio atual de uso de criptomoedas e de blockchain em empresas no país?
TC: Eu acredito que há muito tempo nós passamos do estágio de criptomoedas e estamos olhamos para uma gama maior de aplicações. Há vários atores globais que trabalham num ou mais projetos. Os pequenos e médios ainda não estão implementando soluções. Há pioneiros interessantes como o Crowdlitoken, que granulou propriedades no mercado imobiliário europeu para 100 euros (cerca de R$ 675) e que resolveu um grande problema. A divisão europeia de riqueza é baseada no topo da pirâmide quando se fala em acesso a esse mercado. Outro caso interessante é o do setor de energia. A liberalização desse mercado exige novas ferramentas. A Thurgie AG, que usa blockchain para tokenizar painéis solares, com isso gera a adesão de clientes, independência de bancos e um potencial para terceirização de risco e colaterizaçao de ativos.
BN: Como você vê esse cenário em 5 anos?
TC: Eu não faço previsões. Acho que a maior bifurcação que acontecerá será o efeito do Covid-19 e o resultado disso é realmente difícil de se prever, porque será muito radical.
BN: Quais serão os principais movimentos da Federação Suíça de Blockchain nos próximos anos? O Blockchain Nation é um deles?
Um dos maiores focos é promover a inovação. Nos próximos 4 anos, a SBF ser conectará com startups, indústrias globais, governos e investidores num programa muito claro dentro do marco de uma inovação aberta, num esforço chamado Blockchain Nation Switzerland.
Outra entrevistas sobre os 12 anos de blockchain em:
2 comentários em “Parceria entre empresas e governo fez da Suíça um hub em criptos e blockchain”
Bom dia Claudia,
neste comentário exprimo somente a minha opinião pessoal que pode NÃO corresponder as das Empresas que administro.
Eu trabalho à anos com a tecnologia Blockchain aplicada no setor primário e terciário da Suíça, da Itália e do Brasil. No caso específico do setor terciário da Suíça, posso lhe garantir que a Confederação (Poderes Legislativo e Executivo) pensa em média 20/30 anos na frente.
Dito isto, com certeza absoluta, as instituições financeiras, na concepção antiga do termo, estão desaparecendo e se tornando FINTECHs.
Outro detalhe muito importante é que nós suíços estamos acostumados com a democracia REALMENTE DIRETA e para nós o sistema Blockchain de consenso fazemos quase todos os trimestres através dos consultações a nível Cantonal e Federal. Deixo este link para quem quiser saber mais: https://www.s-ge.com/pt/publication/manual-para-investidores/manual-para-investidores
Olá, Evandro, muito obrigada por seus comentários. Claramente a Suíça tem um plano de país, o que a faz pensar hoje nos próximos 20/30 anos. É um bom exemplo a ser olhado. E muito obrigada pelo link do manual para investidores!