A Telite, que fabrica telhas com plástico reciclado, implantou blockchain para rastreamento da coleta da matéria-prima à entrega do produto no ponto de venda. Assim, espera conseguir uma redução de 20% a 30% no preço que paga aos fornecedores em pelo menos parte desse material.
“Tenho muitos clientes que têm auditoria e nos cobram sobre onde vai parar o que coletamos. Veio daí a ideia de rastrear de forma mais segura. Assim, o preço da matéria-prima também cai porque posso mostrar que faço uso correto dos materiais, disse ao Blocknews Leonardo Retto, CEO da Telite.
Além disso, a empresa tem investidores que querem ter certeza de que a empresa faz o que diz. Isso faz sentido num segmento onde é comum o “greenwashing”, a propaganda enganosa sobre sustentabilidade. Os investidores são 9 executivos com passagens por empresas como Itaú BBA, Vale e Coca-Cola.
Para indústrias que precisam provar que cumprem a lei de logística reversa, a confiabilidade dos dados em blockchain têm muito valor. Afinal, ao venderem material que será reutilizado, ganham créditos de logística reversa com base em dados registrados de forma imutável.
Além disso, por causa do blockchain, estarão seguros de que não haverá duplicidade dos créditos de logística reversa que receberão da Telite, que hoje fabrica 25 mil telhas por mês.
A Selletiva, startup de Fortaleza que faz gestão de logística reversa, está instalando o sistema na fabricante de telhas, usando uma solução da GoLedger. A solução é a GoFabric, que cria, gerencia e faz a governança de rede na plataforma Hyperledger. De acordo com a empresa, a implantação começou no final de maio e entrou em produção em junho.
Selletiva usa solução blockchain da GoLedger
O sistema permite um rastreamento “para dizer de forma segura quem está fazendo seu dever de casa e assim, gerar até bonificações”, disse seu fundador, Sérgio Clério Moreira, hoje gestor operacional da área de entregas.
No sistema da Selletiva, o controle da coleta pode começar desde que um caminhão sai para fazer a retirada do material. A plataforma define e controla, por exemplo, a rota do caminhão na ida e na volta. No ponto de retirada, o motorista usa um aplicativo para enviar fotos do que é coletado e os dados da localização por GPS entram no sistema. Tudo fica na nuvem.
Na Telite, o uso de blockchain começa na triagem dos recicláveis que chegam à fábrica. Isso significa que para cada lote se gera um código QR com informações como procedência da carga e local de coleta.
“O conceito é o gerenciamento interno da fábrica, ou seja, o que entra e sai dos centros de custos”, explicou Moraes. Os dados entram no código QR. Mas, o que a fabricante não usa, como vidro, vende para recicladoras.
Dessa forma, clientes da Telite, que incluem grandes empresas, podem acompanhar onde foi parar o material que repassaram à fabricante até a venda em locais como Leroy Merlin e Magazine Luiza.
Segundo Retto, em geral a coleta vem de quem já pegou o material no fabricante que usa embalagens, ou seja, vem do mercado secundário. Esse, por sua vez, informa a Telite de onde veio o material.
De acordo com Otávio Soares, COO da GoLedger, por enquanto os nós da rede são a Telite e a Selletiva. “Queremos que todas as grandes empresas que participam da cadeia produtiva tenham seus nós, ou seja, dos fornecedores da matéria-prima aos revendedores das telhas”.
Com blockchain, Selletiva abre oportunidades no Chile
A Selletiva nasceu da dissertação de mestrado de Moreira em administração na Universidade Federal do Ceará (UFC). “Fomos aperfeiçoando a solução, que já usa tecnologias como IoT (internet das coisas) e GPS. Foi natural passar a usar blockchain.”
A plataforma permite a diferentes áreas de uma empresa gerirem a logística de resíduos recicláveis. E faz isso integrando dezenas de dados. Por exemplo, ao definir um veículo para realizar a coleta, a plataforma pode dizer se a transportadora está com as licenças para funcionar ou se há alguma que acaba de vencer.
Hoje, ainda há empresas de grande porte que não tem nem planilha excel para isso, diz o fundador da Selletiva. “Mas, nem todos os clientes já percebem o valor diferenciado de blockchain.”
Por usar a tecnologia, a startup está atraindo oportunidades no Brasil e no Chile. “O que as empresas mais gostaram lá foi blockchain”, afirma. A ponte com o mercado chileno teve o suporte Usina de Startups e apoio do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), onde a Selletiva está instalada porque foi escolhida para integrar um de seus hubs. Seu plano é mesmo se internacionalizar.
A startup também foi uma das seis que a GoLedger escolheu em fevereiro passado para seu programa Early Adopters. Só que de mentorada, se transformou em parceira de negócios. Com isso, o primeiro resultado foi implantar blockchain na Telite, uma indicação da mentora.
O programa Early Adopters da GoLedger inclui seis startups que desde o final de fevereiro têm seis meses para usar a GoFabric e receberem mentoria.
“Nossa ideia é realizarmos parcerias com empresas inovadoras e com grande potencial. Assim, juntos poderemos entregar aos clientes a melhor solução com a confiabilidade do blockchain”, afirma Soares.
Logística reversa é área promissora para uso de blockchain
A parceria com a Selletiva faz parte do plano da GoLedger de aumentar a atuação no setor privado. Desde a sua fundação em 2017, a empresa focou em projetos para governos. Assim, venceu as primeiras licitações públicas de blockchain.
No caso de logística reversa, o COO da GoLedger diz se tratar de “um setor muito promissor”. A lei de resíduos sólidos (12.305/10) estabelece que no mínimo 22% da massa de embalagens comercializadas por uma empresa devem passar por logística reversa.
“Porém, há um número bastante reduzido de empresas que se preocupam e realizam planejamentos com objetivos, definições e descarte correto em massa de seus resíduos”, diz ele.
Um outro fator que começa a pressionar as empresas com mais força são as políticas de ASG (Ambiental, Sustentabilidade e Governança, ESG em inglês). A pressão vem de consumidores, investidores, instituições de crédito, de risco e seguradoras, por exemplo.
O ICMS Ecológico também ajuda a tornar o setor promissor. Isso porque que municípios recebem uma parcela a mais do imposto por terem ações sustentáveis como gestão de resíduos.
Telite precisou de investidor-anjo após demanda inesperada
Em 2011 Retto e o pai criaram a empresa de Comendador Levy Gasparian (RJ) com outro nome e produziam banheiros químicos. Para cumprir a inesperada demanda de 10 mil unidades da telha de plástico no lançamento, foi atrás de crédito e achou os investidores-anjo. Assim nasceu a Telite.
Desde 2016, Retto estuda energia limpa e chegou a uma telha de grafeno que gera 30 kW ao mês de eletricidade com quatro unidades por meio de energia solar. Por enquanto, o plano é vender primeiro para 20 pessoas selecionadas.
Cada telha de plástico – sem geração de energia – custa cerca de R$ 80. Além de sustentáveis, disse Retto, as telhas de plástico são mais leves e duram mais do que as comuns. A expectativa é aumentar o faturamento de R$ 12 milhões em 2020 para R$ 50 milhões neste ano, já que vai vender também as de grafeno.
Selletiva passou de mentorada a parceira da GoLedger
A Selletiva é uma empresa do Sistema B. Quem faz parte desse grupo preza não apenas pelo crescimento do negócio, mas pelo equilíbrio disso com impacto positivo na sociedade e no meio ambiente. A startup tem 1,8 mil usuários cadastrados, a maioria de cooperativas que não pagam pelo serviço seguindo a lógica do Sistema B.
Os pagantes são menos de 10, mas já inclui, por exemplo, o Grupo 3 Corações de café e sucos. O grupo usa a solução em suas 8 fábricas, 20 centros de distribuição e 300 pontos de coleta. Por enquanto, só a Telite usa blockchain. A estimativa é fechar 2021 com um aumento de cerca de 50% no faturamento em relação a 2020.
GoLedger quer crescer também no mercado corporativo
Além da GoFabric, a GoLedger tem a GoBio, para identificação de pessoas, que foi premiada no 3º Simpósio Internacional de Segurança Pública (SINTSP) e uma das soluções vencedoras do Primeiro Concurso de Tecnologias Policiais do Brasil (Startpol).
No Inovapol, concurso de inovação em segurança pública promovido pela Polícia Civil e peritos do Distrito Federal, a GoProof foi a única solução blockchain entre as dez selecionadas. Nesse caso, o objetivo é autenticar e rastrear provas físicas e digitais em blockchain.
Em 2020, empresa foi uma das escolhidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para testes de novas soluções na eleição, com a solução GoVote. A startup tem ainda o GoProcess, para gestão de documentos e processos em blockchain, o GoTrace, para rastreabilidade.
Hoje, a GoLedger está também no marketplace da Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice). E com o blockchain na Telite, começa a avançar no setor privado.