O primeiro balcão organizado de negociação de energia livre e de certificado de energia renovável (IREC) do país, que está sendo desenvolvido com tecnologia blockchain pela AES Tietê e Fohat, deve começar a ser testado com participantes no final do ano. Entre eles, deverá estar um banco, que será o garantidor dos contratos, além de consumidores e comercializadores.
“Já temos parceiros e clientes que se mostraram interessados. Estamos bastante animados”, disse ao Blocknews a chefe de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da AES Tietê, Julia da Rosa Rodrigues. Há interessados tanto no comércio de energia, quanto de IRECs.
A ideia é validar a tecnologia para contribuir com o setor e mostrar que é possível ter um balcão centralizado, o que torna o setor muito mais próximo do mercado financeiro e dá a confiabilidade que esse mercado tem em termos de garantias, do que um mercado com negociação bilateral.
Energia livre é quando o consumidor compra o insumo da geradora que preferir, ao contrário das compras obrigatórias de uma concessionária, como acontece em residências e empresas de menor porte. Grandes consumidores podem atuar no mercado livre e com a competição pagam tarifas cerca de 30% menores.
No caso dos IRECs, também não há um balcão para isso no Brasil. Quem gera energia pode gerar o certificado, comprado por quem quer compensar o uso de não renováveis. “Um comprador vai numa empresa de seu relacionamento, pergunta quanto custa e não sabe se o valor é alto ou baixo. A ideia é ter um markeplace para isso”, segundo Julia. Com o balcão, o mercado de IRECs pode crescer no Brasil, o que é um incentivo à geração de energia renovável.
Mercado mais seguro
O balcão de energia livre, diz Julia, não substitui nenhum ator do mercado. Acontece que hoje as negociações são bilaterais e não há um ambiente organizado e com contraparte, como acontece na Europa, por exemplo, com a European Energy Exchange (EEE), que opera com uma clearing de 9 instituições financeiras .
O “Projeto AES Tietê de Energy Intelligence” é parte do programa de P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). As empresas são obrigadas a investir 1% da receita operacional líquida em P&D.
Os projetos devem ser compartilhados com o setor para geração de conhecimento de toda a cadeia. Mas se virar um produto, ainda melhor. E é o que parece que vai acontecer com o balcão da AES e Fohat. O investimento é de R$ 3,4 milhões.
Para que um banco
De acordo com André Ferreira, diretor de tecnologia da Fohat, a ideia é que o balcão seja uma empresa independente, com a Fohat, a elétrica e outros participantes interessados. “A Fohat tem conversado com instituições financeiras, mas não podemos dar detalhes”, disse ele ao Blocknews. A empresa do Paraná está buscando conectar os elos para que o balcão se torne realidade. Um deles seria a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que precisaria aprovar o balcão.
Uma instituição financeira é fundamental num projeto de balcão. Esse agente é financiado pelas partes e garante o cumprimento do que foi acertado, como acontece em mercados como o de ações. Hoje, as partes assumem todo o risco da negociação – de não entrega da energia de um lado ou de não pagamento da entrega do outro.
Não seria novidade um banco participar de um projeto de energia livre. Instituições financeiras como Santander, BTG Pactual, Itaú e Bradesco já têm tradings ou estão comprando uma. É um mercado que deve crescer nos próximos com a esperada liberalização. Em 2019, o número de consumidores que usaram energia livre cresceu 24%, para 16.104, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Energy Web Foundation
O projeto vai do final de 2019 e julho de 2021 no que se refere ao programa da Aneel, ou seja, de testar a viabilidade da tecnologia. A potencial implantação total ainda não tem data para ocorrer, mas será depois disso.
O passo mais recente do projeto é a conexão da plataforma à rede blockchain da Energy Web Foundation (EWF) para validação da solução, o que ocorre até o final do ano.
Os testes com IREC e comercialização devem correr de forma paralela. Para IREC será necessário maior aprofundamento, porque o maior conhecimento da AES é em energia. É um produto mais simples, porém é um processo bem complexo de emissão, transferência e aposentadoria, afirmou Júlia. No entanto, o fato de a The International REC Standard ser parte da EWF deve ajudar a acelerar o processo.
De acordo com Ferreira, as negociações de contratos de energia serão feitas offchain, fora da plataforma blockchain, para evitar lentidão na rede. Normalmente é rápida, pode acontecer lentidão como em outras, afirmou. Feita a negociação, roda-se o smart contract e a validação em blockchain.
A negociação em si não depende da validação. Já a assinatura de contrato e validação, por exemplo, podem ter um pouco mais de tempo para serem registradas, disse ele.
Escalabilidade e integração
A preocupação, segundo Ferreira, é dar escalabilidade e segurança ao projeto. “Hoje, o volume do mercado é baixo, mas queremos estar preparados para o crescimento que visualizam com o mercado livre de energia.”
E é aí que entrou blockchain, segundo ele. Como as redes podem precisar de muito tempo para validarem as transações, a decisão foi a de construir parte da solução offchain. Se tudo fosse onchain, haveria muita dependência de velocidade da rede. Além da escalabilidade, a parte offchain permite maior conectividade.
A ideia é conectar à rede também plantas de energia renovável. O Instituto Totum, que emite IREC no Brasil, poderia ser outro membro a se conectar à rede, por exemplo, criando um ecossistema ainda mais completo no balcão.
O Instituto também passou a usar blockchain no começo do ano para garantir segurança aos certificados e espera que isso seja mais um fator para elevar para elevar dos 3 milhões, para 5 milhões, o número de certificados emitidos em 2020.
Proof of Authority
As validações na EWF são feitas por meio de Proof of Authority (PoA), parecido com o Proof of Work (PoW) do bitcoin, mas que não é aberto. Apenas os nós permitidos pela rede fazem as validações e isso é gerenciado pela EWF. Isso cria uma rede de confiança nos nós. Os nós incluem empresas como Shell, General Electric e AES internacional. O nó da Fohat deve começar a rodar em breve, segundo o diretor de tecnologia da empresa.
No futuro, a plataforma poderá ter outras aplicações, como assinaturas digitais e negociação de contratos de carbono.
Os custos de uso da plataforma de balcão ainda não estão definidos.