Ricardo Polisel Alves é diretor executivo da área de estratégia de tecnologia da Accenture. Nesta semana completa 20 anos na empresa e desde 2015 trabalha com blockchain. Naquele ano, seu chefe perguntou se ele sabia o que era essa tecnologia. A resposta foi “não”. Teve a missão de estudar o assunto e a partir daí apresentar blockchain a clientes e tocar projetos. “No começo, tinha muito que explicar a diferença entre bitcoin e blockchain. De dois anos para cá isso mudou, começamos a fazer projetos com clientes e alguns já estão em produção”.
Na entrevista exclusiva ao Blocknews, o executivo conta que o cenário no Brasil está mudando um pouco devagar, em especial se olharmos para China e Europa. “Mas já está mudando, as empresas já começam a nos chamar porque têm verba e querem investir em blockchain.”
Abaixo, a entrevista com o diretor da Accenture.
BN: Qual a diferença entre o uso de blockchain na Europa, Ásia, EUA e Brasil?
RPA: Os Estados Unidos estão muito ativos nos setor financeiro. Temos visto muitos casos em outras indústrias, como automotiva, logística e de viagens na Europa e na Ásia. No Brasil ainda são mais os bancos que usam blockchain, mas eles não estão mais isolados. Estamos discutindo com clientes de áreas como saúde, utilities e energia. Em energia fizemos um projeto com uma empresa que queria lançar um novo serviço de comercialização de energia solar e já vieram até nós perguntando se seria possível usar blockchain.
Blockchain é um esporte de equipe. Só tem grande valor quando há entidades diferentes resolvendo um problema comum. No Brasil, há uma resistência das empresas de não fazerem projetos colaborativos para esse fim. No mercado financeiro há mais disso nas associações. Nos EUA não se vê tantas parcerias ou alianças de empresas, como se vê na Europa se associando para resolver problemas comuns.
BN: Como é esse projeto em energia solar?
RPA: empresa queria lançar um novo serviço de comercialização de energia solar e já vieram até nós perguntando se seria possível usar blockchain. Isso é um caso clássico de uso. Montamos um piloto que já está em produção, estamos num soft launch em que o cliente pode comprar cota de um painel solar usando plataforma em blockchain e o cliente não faz ideia que blockchain está por trás.
Conseguimos fazer em 6 semanas uma primeira prova de conceito (PoC). Gastamos mais tempo com a experiência do cliente do que com a parte de blockchain, que foi relativamente rápida.
BN: As empresas ainda acham que blockchain é algo para ser falado com a área de TI?
RPA: Isso está mudando, mas ainda é assim. Uma pesquisa nossa de 2019 mostra que 64% das iniciativas de blockchain são financiadas por TI ou uma área de pesquisa e inovação. O caso da energia solar veio da área de inovação e trabalhamos com a área de negócios, TI entrou mais para frente. Antes, o assunto, principalmente nos bancos, nascia muito mais na área de tecnologia. Em outras empresas, o que tenho visto é isso nascer mais nas outras áreas, como negócios, comerciais, risco e inovação.
BN: Qual a estratégia da Accenture em blockchain?
RPA: Nossa pretensão é ser líder em soluções de blockchain para negócios específicos. Temos 13 indústrias alvo, dentre elas automotiva, bens de consumo, serviços públicos, saúde e viagens e temos três áreas de mercado em blockchain, que são infraestrutura financeira, identidade, como o projeto ID 2020, feito com a ONU para registro de imigrantes sem documentos, e supply chain, para questões como rastreabilidade, redução de custos e redução de uso de papel.
BN: Como vocês tentam se diferenciar?
RPA: Normalmente fazemos workshops com clientes sobre tecnologias como blockchain, analytics e inteligência artificial e desenhamos com eles onde há oportunidade de usá-las. O passo seguinte é, definido o caso de negócio, vermos o valor da tecnologia e então decidimos com o cliente qual plataforma de blockchain vamos usar. Nosso time de inovação e TI cria o protótipo ou MVP para exercitar com o cliente. Somos agnósticos em termos de plataforma a ser usado. Temos profissionais trabalhando com várias delas e parcerias com startups para a interoperabilidade entre as soluções, além de parcerias com provedores de tecnologia e participação em 15 alianças estratégicas que envolvem vários consórcios.
BN: Vocês têm time dedicado a essa solução?
RPA: Temos uma área de blockchain com pessoas dedicadas. No mundo, temos profissionais especializados em blockchain por indústria.
BN: Qual o mercado de blockchain no Brasil e quantos projetos a Accenture tem no Brasil.
RPA: Estimamos que o investimento mundial em soluções de blockchain vai ser de US$ 12,4 bilhões em 2022. Cada vez que revisamos esse número, ele aumenta. No Brasil não temos esse número. Mas o país não está nos top 5 referências, como EUA, Austrália e China, que são os que mais usam.
A Accenture não revela número de projetos no Brasil e a participação de blockchain nos negócios da empresa. O podemos dizer é que do nosso faturamento, projetos “in the new”, que usam tecnologias e métodos inovadores, em 2011 fazíamos muita implantação de SPA e sistemas e eram cerca de 10$% nessa categoria. Em 2019, ultrapassamos os 70%.
BN: O que mudou em conhecimento e adoção de blockchain no Brasil?
RPA: O mercado financeiro não está mais isolado. Talvez continue na frente porque naturalmente têm mais recursos para projetos em tecnologias inovadoras, pela própria natureza do setor, mas não está mais isolado na frente. Em quantidade, temos discutido com mais clientes de fora do setor financeiro. Nessas outras indústrias, temos discussões, em especial com áreas de negócios, temos algumas PoCs e alguns projetos em produção.
BN: A área de saúde não deveria estar mais interessada em blockchain, o que tem sido muito usado no exterior para bancos de sangue e prontuários únicos, por exemplo?
RPA: Eu diria que o uso de blockchain nessa área está demorando para sair. Não faz sentido ter dados em diferentes laboratórios, hospitais e clínicas e ninguém se conversa. Chegamos a conversar com um governo há dois anos para fazermos algo orientado para banco de sangue, porque às vezes você é doador num banco A e um banco B precisa do seu sangue, mas não consegue te contatar.
BN: Qual a dificuldade que existe em governança?
RPA: Esse é talvez o principal desafio quando se faz um projeto. Blockchain é um esporte de equipe, tem que colocar várias instituições ou empresas diferentes em acordo com as regras. São regras como quem entra na rede, quem diz se pode ou não entrar alguém, como é o onboading, se precisar atualizar o sistema, quem pede isso, quem atualiza primeiro… enfim, há uma série de regras que precisam ser definidas e que tomam tempo. Eu não diria que é tão complexo, mas toma tempo por conta das discussões entre os participantes. De um projeto, a discussão e implantação do modelo de governança toma cerca de 30% do total. Pode-se fazer isso paralelamente a outras ações. O que não pode é subestimar esse ponto. A nossa recomendação é olhar isso desde o começo. Concebido o projeto, já se começa a discutir o assunto para não atrasar o programa por conta de governança.
BN: Qual a sua visão para blockchain nos próximos anos?
RPA: Em 2015, a discussão era sobre a o que era blockchain, a diferença entre blockchain e bitcoin. E, 2016 a pergunta era qual era o valor. Agora não é mais sobre para que serve. Começamos a caminhar para a questão sobre como usa-la blockchain. Em 2021 e 2022, a pergunta que vai começar a aparecer é como podemos escalar essa solução. Muitas empresas já fazem pilotos e colando soluções no ar. A próxima questão é como colocar para funcionar com muitas transações. Por exmeplo, transação d e cartão de crédito. O número mágico que se fala nessa caso é de 10 mil a 15 mil transaçõs por segundo. Para blockcahin ainda é dificil chegar a siso. A Accenture fez provas nos EUA e conseguiu chegar. Mas a grande onda é chegar a plataformas que consigam processar nessa escala. E daí vamos perguntar como transformar uma industria ou mercado usando blockcahin com inteligencia artigicificak. internet das coisasseguança e analytics. conjunção delas é que vai trazer grande valor., porque o benefício é potencializado. E em 3 anos a pergunta é como crio produto ou mercado usando blockchain.
BN: Um estudo da Accenture afirma que para 58% dos gerentes de riscos entrevistados, os riscos associados a tecnologias disruptivas têm impacto maior em seus negócios hoje do que há dois anos. O que é esse risco da tecnologia disruptiva?
RPA: Cada vez mais se usam sistemas digitais, armazenamento de dados pessoais em mais sistemas e mais lugares. Isso aumenta sua exposição a risco e disso vazar e criar problemas. Numa loja de roupas, por exemplo, há entre 30 e 40 pontos de interação, como quando o cliente entra na loja e se conecta ao wi-fi, para captação de dados dele se a empresa tiver tecnologias para isso. Uma empresa aérea tem 80 pontos de contato, desde o momento em que uma pessoa compra a passagem.
BN: As empresas estão atentas à questão da segurança?
RPA: Estimamos que a falta de segurança de dados pode custar até US$ 5,2 trilhões nos próximos 5 anos e só 30% dos executivos estão confiantes na sua estrutura de dados. O grande problema que blockchain resolve é a questão da confiança e segurança. A tecnologia nasceu ao redor da preocupação com a segurança.